“Um processo de recrutamento é um processo onde a tomada de decisão está centrada na palavra confiança”  

Pedro Lacerda • out. 03, 2020

Num mercado que se encontra cada vez mais vulnerável, as empresas de recrutamento batalham com uma crescente procura por parte de um número muito mais elevado de candidatos e com uma oferta menor por parte das empresas. De modo a perceber como tem isto funcionado na prática, o infoRH foi falar comPedro Lacerda, Vice-Presidente, Country Manager Portugal e Group Leader Benelux da Kelly Services, empresa de Gestão de Recursos Humanos.

O Pedro trabalhou para grandes empresas, como a Hays Group ou a Randstad Group. Conte-nos como chegou à Kelly Services Portugal.


De uma forma bastante inesperada. Eu estava a residir e a trabalhar no Chile nos últimos nove anos. Estive treze anos fora de Portugal entre três países: Espanha, Hungria e Chile; e um dia recebi uma chamada da Kelly Internacional, do seu Headquarters, comunicando-me que havia uma posição que estava em aberto no Grupo. Foi uma abordagem muito objetiva e personalizada. E a partir desse momento, conseguiram efetivamente convencer-me a mudar toda a minha vida pessoal e profissional para voltar novamente a Portugal, onde iniciei a minha carreira, e reencontrar-me com muitos colegas com os quais eu tinha trabalhado no passado.


Este tipo de situações surge sempre quando muito menos esperamos e foi o caso, o que também traz aqui um particular interesse na forma como tudo isto surgiu. Houve uma série de circunstâncias que se proporcionaram. Do ponto de vista familiar e pessoal também tínhamos em mente em algum momento, a médio prazo, voltar à Europa porque gostaríamos que os nossos filhos, que ainda estão numa idade de início de adolescência, tivessem contacto com a cultura e o modelo de educação europeu. Proporcionou-se juntar o útil ao agradável entre ter um projeto profissional que eu considerei que encaixava perfeitamente nesta fase da minha vida e também um equilíbrio familiar.


Tendo sido professor, acredita que o sistema de ensino, principalmente no Ensino Superior, está alinhado com a realidade do mercado trabalho?


A resposta é não e este é um tema que não se restringe a Portugal, é comum a muitas sociedades internacionais, não só europeias, mas também noutros continentes. O ensino universitário, principalmente nos últimos vinte anos, massificou-se. Ou seja, há muito mais oferta do que procura, devido também ao ensino privado, e há uma parte substancial do ensino que é demasiado comercial para a oferta que o mercado apresenta


O que é que eu quero dizer com isto? Que há um excedente em variadíssimas licenciaturas que depois não cruza com a oferta no mercado de trabalho. E o que é que isto provoca? Algo que toda a gente já constatou e que se prende com o facto de as pessoas começarem a trabalhar, e posteriormente a desenvolver carreira, em segmentos de mercado não relacionados com a sua área de licenciatura.

Nada contra, mas isto leva-nos a uma outra discussão que é a seguinte: as licenciaturas servem claramente para nos preparar em termos metodológicos e de estrutura de competências para a nossa carreira futura, e não tanto para termos uma base sólida de conhecimento técnico para aplicarmos numa função para a qual estudámos. Isto obriga a que o estudo e a formação tenham de ser contínuos porque temos de adquirir valências noutras áreas que a licenciatura não nos oferece. A tendência será cada vez mais a combinação da experiência profissional com a formação e estudos a outros níveis como pós-graduações, MBAs, etc.

Este é um aspeto que tem de continuar a ser prioritário por parte dos governos, principalmente na União Europeia, que é um mercado com liberdade de circulação de trabalhadores, porque se verifica que há muito mais pessoas disponíveis no mercado da área das Ciências Sociais, comparativamente com as pessoas que são necessárias na área da Engenharia, Informática e outras. E neste sentido acho que há trabalho a ser desenvolvido.


De que forma mudou a estratégia da Kelly Services com a sua entrada como CEO em 2019?


Encontrei na Kelly uma empresa com um crescimento comercial muito sustentado, com uma ótima situação do ponto de vista financeiro, mas era uma empresa que não estava preparada estrategicamente para chegar onde nós definimos que chegue em finais de 2023. Ou seja, com tudo o que a empresa tinha em termos de pessoas, processos e capacidade de gestão, deveria ter definido um plano estratégico há mais tempo para verdadeiramente ser o líder de mercado em Portugal.


A Kelly já é o líder de mercado em várias áreas. Em termos de rentabilidade, somos a empresa com maior rentabilidade nominal em Portugal. Somos a empresa que tem as melhores produtividades do ponto de vista de gestão. Somos a empresa que tem a maior retenção dos seus clientes ao longo dos anos. Somos a empresa que tem a melhor retenção de chefias middle e upper management de toda a indústria em Portugal. No negócio Onsite somos líderes de mercado destacadíssimos. Mas faltam outras partes que não estavam estruturadas estrategicamente relacionadas não só com a área comercial, mas com todas as restantes áreas que fazem a empresa mexer. E foi isto que definimos. Tive por um lado a facilidade de ter uma equipa de gestão com um nível de senioridade muito grande e que rapidamente entendeu para onde é que deveríamos ir.


Alinhar a organização não foi difícil, o mais difícil foi efetivamente colocar 250 pessoas a avançar ao mesmo ritmo, todos com um objetivo comum e fazendo tudo em direção a esse objetivo. E esta é a parte que nos está a dar muito prazer, principalmente num período de complexidade como é o que estamos a atravessar de pandemia.

É nestes momentos verdadeiramente que se vê de que é que as empresas são feitas. E mais uma vez eu posso constatar que a realidade da Kelly está totalmente alinhada com a estratégia que definimos. Temos uma estratégia muito clara, que é obviamente uma combinação entre crescimento orgânico e crescimento inorgânico, para chegar ao final de 2023 e sermos líderes de mercado em todos os aspetos que consideramos fundamentais neste negócio. Não somente em termos de rentabilidade, na nossa operação Onsite e na retenção das nossas chefias, como já somos, mas obviamente também em brand awareness, faturação, margem bruta de negócio e DSO. Em todos os indicadores de gestão que são chaves, nós queremos lá chegar e é para isso que estamos a trabalhar, obviamente.


De que forma está a Kelly Services a responder às dinâmicas do mercado de trabalho, nesta situação atual?


O mercado de trabalho neste momento é um mercado de grande vulnerabilidade, de grande incerteza, muitíssima complexidade e uma outra variável que agrega um nível de dificuldade altíssimo que é a ambiguidade. Ou seja, o que é uma certeza à data de hoje, amanhã é completamente o oposto e nestas circunstâncias somos obrigados a uma gestão realizada praticamente ao dia. Isto requer muita união, uma comunicação de excelência e uma definição e capacidade de liderança muito objetiva do que vamos fazer e do que não vamos fazer, do que estamos a cumprir em termos de plano e o que não queremos fazer em termos de decisões dentro da empresa. Neste sentido, o mercado de hoje requer muitíssima adaptabilidade e agilidade. Temos de entender muito bem quais são as realidades dos nossos clientes, quais são as realidades dos nossos candidatos.

Uma nota em relação a isto: o mercado, há seis meses, era na sua generalidade definido pelos candidatos. Como havia uma escassez de candidatos no mercado, os candidatos influenciavam muitíssimo os processos de recrutamento, recusavam mais ofertas e emprego, tinham muito maior capacidade negocial nas suas condições para ingressar num novo emprego, não só financeiras, mas também em aspetos fundamentais daquilo que vão fazer e da amplitude de gestão que vão ter. Este mercado inverteu-se com o período de pandemia. Há uma ou outra exceção, provavelmente nos segmentos de tecnologias de informação, mas nos restantes segmentos é claramente um mercado liderado agora pelos clientes, porque a oferta de candidatos é muito maior. Existindo uma oferta de candidatos muito maior, passam a ser obviamente as empresas a definirem o mote do recrutamento. As empresas terão melhor capacidade de selecionar porque há mais oferta, mas, por outro lado, será provável que coloquem pressão sobre o custo, o que significa que haverá tendência para fazer ajustes na massa salarial para baixo e não para cima. Vão ser duas consequências normais da forma como o mercado se está a comportar.


A pandemia veio mudar de alguma forma a sua visão de liderança e maneira de liderar?


Não veio mudar a visão, veio sim exigir uma ação imediata que tem de estar sempre presente num líder e que são a agilidade e a adaptabilidade. Como eu referi há pouco, os tempos são de muita incerteza e requerem ações muitas vezes rápidas e que, de um dia para o outro, podem parecer contraditórias devido às circunstâncias. Acho que nesse sentido é muito importante entender quais são as necessidades daqueles para quem nós trabalhamos e são três áreas-chave no que toca ao negócio da Kelly: os nossos candidatos e trabalhadores, os nossos clientes e os nossos colaboradores diretos Kelly. Entendendo muito bem o status e as necessidades de cada um, é menos complexo definir as nossas prioridades de gestão no dia-a-dia. Há um aspeto fundamental que a Covid efetivamente mudou, que é a minha primeira prioridade, acima das prioridades de negócio, que é assegurar que a saúde e o bem-estar dos colaboradores diretos da Kelly e dos trabalhadores que a Kelly emprega nos mais de 1000 clientes que temos estão totalmente salvaguardados. Porque é uma questão de saúde, é uma questão de princípio fundamental do que são os valores desta companhia e esta prioridade dentro da cadeia mudou e é para mim sempre a primeira prioridade. Mas depois as outras, como eu mencionei, têm aqui também um papel fundamental.


De acordo com a sua larga experiência no mundo dos Recursos Humanos, qual é a sua opinião relativamente ao futuro do recrutamento e do emprego no mundo?


O recrutamento vai ter um peso cada vez mais digital e menos humano. A variável tecnologia terá uma importância ainda maior. Aliás, vimos isso agora durante todo este ciclo de Covid. Dos dez maiores bilionários que existem à face da Terra, oito deles aumentaram em dois dígitos a sua riqueza e estão todos ligados ao mundo da tecnologia. É por isso um sinal claríssimo de que tecnologicamente o mundo ficou mais fortalecido com esta crise e a discussão humano versus tecnologia requer também uma abordagem do nosso lado que conduza a algumas reflexões importantes.


Obviamente que a tecnologia estará sempre ao nosso serviço enquanto ferramenta e no mundo do recrutamento o objetivo é utilizarmos a tecnologia para recrutarmos mais rápido e de uma forma mais eficiente. Acho que esta circunstância da Covid veio acelerar efetivamente esta parte, reduzindo por exemplo a importância que as entrevistas presenciais tinham ou a necessidade dos próprios clientes terem de conhecer fisicamente as pessoas antes de as contratar e por variadíssimos fatores.

Basicamente porque um processo de recrutamento no limite é um processo onde a tomada de decisão está centrada na palavra confiança: ou eu confio, ou não confio. E muitas vezes é preciso tomar risco para que isto aconteça. Esta variável não vai desaparecer, vai continuar. O negócio e o processo de recrutamento continuarão a ter partes tangíveis onde a parte da confiança é fundamental e nós só conseguimos trabalhar confiança se sociabilizarmos, se nos conhecermos, se nos cumprimentarmos, se expressarmos emoções, se expressarmos racionalidade ao vivo. Esta é uma questão que eu acho fundamental no mundo dos negócios e que tem de continuar a existir. Contudo, será agora tratada de uma forma diferente porque, com a Covid 19, o conceito de mobilidade a forma como o trabalho tem de ser entregue ficam muito alterados.


Segunda questão, o que é que muda no emprego? Há duas partes que vão mudar significativamente e uma delas já mudou. Para todos aqueles que consideravam o teletrabalho um mito conducente a falta de produtividade, creio que esta deixa de ser uma discussão. O teletrabalho deixa de ser uma ferramenta pouco credível para passar a ser uma ferramenta muito credível e tem de ser trabalhada agora numa outra dimensão. Os países têm de legislar de uma forma muito mais objetiva o que é o teletrabalho país a país porque há muitos países mesmo dentro da Europa onde o teletrabalho não está bem legislado no código do trabalho. Esta é uma consequência. Segunda consequência: para países como Portugal vai aumentar muitíssimo a oferta de trabalho especializado a ser prestado fora de Portugal, mas a partir de dentro. Porquê? Porque do ponto de vista de custo de mão de obra, somos um país extremamente competitivo e do ponto de vista salarial, comparativamente com outros países que têm um PIB per capita muito maior, nós conseguimos obviamente oferecer salários muito mais competitivos entregando a mesma ou maior produtividade que os profissionais que estejam nesses países. Esta tendência irá crescer e será uma vantagem competitiva para nós, sem dúvida, porque no limite vai criar riqueza e vai criar investimento.


Que conselhos deixa aos líderes que estão a passar por momentos mais adversos nas suas organizações?


Esta é a pergunta de um milhão, mas acho que não há aqui muitos segredos, há sim muita objetividade. Primeiro há que assegurar a variável, para mim mais importante, que é a segurança de todos os colaboradores da empresa. Depois, há que não ter medo de arriscar, estar muito atento e entender como é que o mercado se comporta. Estes momentos de crise são momentos sempre de grandes oportunidades. Para aproveitarmos oportunidades temos de tomar risco e o dimensionamento de risco numa empresa está sempre ligado a aspetos a que os líderes sabem dar resposta: capacidade de cash flow da empresa, maturidade das suas lideranças, experiências passadas de projetos que falharam e o custo e impacto que tiveram na organização, como que é monitorizamos a nossa concorrência e o seu posicionamento face a este tipo de situações. Por isso, acho que esta segunda parte é chave para ter sucesso. As empresas devem claramente aproveitar estas crises para continuarem a inovar e a arriscar do ponto de vista de negócio porque, se não o fizerem, o risco de perderem quota de mercado é muitíssimo elevado. Terceiro aspeto que é para mim também chave e basilar é a capacidade dos líderes se adaptarem às necessidades das suas pessoas.


O líder do presente é um líder que tem de ir muito mais ao encontro da organização e não o contrário. E neste sentido, acho que o momento pelo qual passamos requer muita agilidade e adaptabilidade dos líderes. Os líderes têm de ser capazes, por exemplo, em termos muito práticos, de garantir o nível de conhecimento tecnológico e digital que aumentou significativamente nas empresas neste período. Uma empresa que não tenha formação e ferramentas de ajuda contínua aos seus trabalhadores para dominarem de uma forma muito boa ferramentas informáticas e tecnológicas, é uma organização que a curto/médio prazo vai perder competitividade. E é da responsabilidade do líder tomar todos os passos necessários, não só para disponibilizar a ferramenta mas para assegurar que está a ser bem aplicada e que as suas pessoas o fazem de uma forma prática e objetiva. E estes são três conselhos que eu deixaria aos líderes no dia a dia.

Entrevista para RH Magazine, 27 Outubro, 2020 in ATUALIDADE, PESSOAS


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